Clássicos injustiçados na bilheteria
- Nas telas
- agosto de 2021
Algumas obras do cinema precisaram de uma ajudinha do tempo para compreensão da trama e consolidação entre o público
Obras injustiçadas, mal divulgadas ou à frente de seu tempo? Afinal, qual seria a explicação para os filmes que fracassaram na bilheteria em seus anos de estreia, mas que, anos depois, passaram a ser cultuados? Para o crítico de cinema Filippo Pitanga, envolve um pouco de cada fator. Considerar um filme um “fracasso” apenas por não ter se “pagado na bilheteria” é algo equivocado, visto que é preciso saber direcionar o olhar. “Nem todo filme fracassa na bilheteria apenas por questões estéticas e qualitativas, pois há também inúmeros outros fatores injustos que concorrem. É muito desproporcional um filme brasileiro, ou independente em geral, estrear junto com um blockbuster.” Isso porque, segundo o crítico, temos um cinema ainda muito colonizado, seja pela língua, por traços culturais, elitistas ou hierárquicos.
Temos uma lista variada de títulos que precisaram de algum tempinho para que gerassem burburinhos e viessem a ser os títulos aclamados, ou, pelo menos, conhecidos, que são hoje, desde aqueles que se tornaram sucesso apenas entre um público específico, como o nerd, até obras cinematográficas que hoje são consideradas cult e mesmo algumas que conseguiram emplacar estatuetas do Oscar. Para Pitanga, propostas de cinema mais autorais, às vezes, precisam de um tempo maior de maturação, assim como pode ocorrer de blockbusters bons darem errado por falta de identificação com o público. A princípio, é importante frisar que não é porque não foram bem-sucedidas entre o público nos cinemas da época e que chegaram até mesmo a dar prejuízo a seus estúdios e produtoras que se tratam de obras ruins. “Cidadão Kane”, por exemplo, foi indicado a nove categorias no Oscar, ganhando a de Melhor Roteiro Original, além de ter arrancado críticas positivas, o que não foi o suficiente para emplacar as vendas dos ingressos. Hoje, passados 80 anos, é considerado uma obra de referência no cinema.
E quem diria que o clássico de David Fincher, o “Clube da Luta”, não foi grande sucesso de público em seu lançamento? Apesar de ter coberto o custo de produção, com um orçamento de US$ 63 milhões, o filme não foi tão lucrativo, arrecadando apenas R$ 100 milhões nas bilheterias. Atualmente, sua aclamação é indiscutível e a obra se mostra com um discurso tão atual quanto há 21 anos, quando estreou. “Muitos filmes que foram considerados ‘fracassos’ comerciais já foram ousadias estéticas ou de linguagem e que não encontraram necessariamente o seu público”, comenta Filippo Pitanga. E como bom exemplo disso, ele cita “Bonnie e Clyde”, que precisou de alguns relançamentos no circuito “para ser compreendido num momento em que ele significou um impacto de transição da Era de Ouro para a Nova Hollywood, mais visceral e abordando temas mais fortes, como violência, questões sociais etc.”
Como a pandemia afeta os lançamentos
A pandemia de Covid-19, com toda certeza, abalou a indústria cinematográfica. “Os filmes que tentaram estrear durante a pandemia tiveram sérios problemas, vide ‘Tenet’, de Christopher Nolan, ainda mais por ser um filme espetáculo, que merecia, sim, a tela grande, mas que ao mesmo tempo exigia muito raciocínio e reflexão, pois não almejava se propor apenas como um mero escapismo explosivo, e isso talvez tenha influenciado com que fosse ainda mais esquecido”, comenta Pitanga. Os cinemas passaram um período fechado e, ainda hoje, estão podendo receber número reduzido de espectadores. Toda esta situação gerou adiamentos nas estreias nas salas de cinema e alguns estúdios até apostaram em estreias exclusivas ou simultâneas em plataformas de Streaming, tal como o Disney+, com as estreias de grandes títulos como “Cruella” e “Viúva Negra”, este último que ficou pendurado desde o ano passado, tendo primeira previsão de lançamento para 24 de abril e sendo lançado só em 9 de julho deste ano, depois de mais de um ano de espera. Apesar de confessar que o streaming salvou, sim, muita coisa, o crítico aponta que estas estreias simultâneas também apresentam o “lado perigoso”, como facilitar a pirataria, prejudicar na inscrição em Festivais – visto que muitos exigem ineditismo ou lançamentos em salas tradicionais de cinema –, ou mesmo o fato de que alguns filmes que custaram caro demais não conseguem se bancar apenas no streaming. Além disso, podem ameaçar ainda mais o circuito comercial.
Sobre como este período vai afetar os lançamentos destes últimos dois anos, o crítico de cinema acredita que só o tempo medirá seus efeitos e sua importância histórica, seja para estudos especializados ou para o grande público, e, como pudemos ver, o tempo, assim como cura tudo, pode ser um grande aliado para trazer um reconhecimento, mesmo que tardio, destas obras.
Um Sonho de Liberdade (1994): nem as críticas positivas ou as sete indicações ao Oscar de 1995 fizeram o filme ser bem-sucedido nas bilheterias da época de seu lançamento, recuperando apenas US$ 16 milhões dos US$ 25 milhões do custo de produção. Desde 2008, o longa está no topo da lista dos 250 melhores filmes da história, segundo o público do IMDB (Internet Movie Database).
Clube da Luta (1999): hoje, o filme carrega status de “cult” e tem uma trama que envelheceu bem, com uma crítica sobre o capitalismo e a masculinidade tóxica condizente que permanece atual. No entanto, a Fox teve que adiar seu lançamento inúmeras vezes, e o valor arrecadado foi bem abaixo do esperado, com um ganho de US$ 37 milhões nas bilheterias em relação aos US$ 63 milhões de investimento.
Donnie Darko (2001): apesar da boa receptividade pela crítica, o filme mal conseguiu se pagar com uma arrecadação total de US$ 7,5 milhões, sob um custo de US$ 4,5 milhões. Especula-se que o baixo desempenho se deve a uma baixa dificuldade e ao atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro – o filme tem uma cena de um acidente de avião, o que levou a distribuidora Pandora a limitar seu circuito e adiar o lançamento internacional.
Blade Runner (1982): muito à frente de seu tempo, a ficção científica inicialmente apresentou críticas negativas por exageros de efeitos visuais e um ritmo lento. Além disso, enfrentou problemas com concorrentes da época, como “E.T – O Extraterrestre” e “Star Treck II”, tendo um ganho de US$ 41 milhões nas salas de cinema para um orçamento de US$ 30 milhões. Hoje, é aclamada como uma obra-prima neo-noir.
Cidadão Kane (1941): o filme mal conseguiu se pagar na bilheteria, com um retorno de US$ 1,5 milhão contra o custo de US$ 840 mil de produção. Mesmo após 80 anos, o longa passou décadas sendo aclamado como o melhor filme de todos os tempos, um consenso entre os críticos especializados, sendo considerado uma obra engenhosa de técnicas cinematográficas, de estrutura e de narrativa.